“O mercado irregular nas estradas” é a nova série de matérias do Instituto Combustível Legal. Nesta primeira, mostramos como as fraudes envolvendo o Arla 32 têm prejudicado o meio ambiente e oferecido riscos no trânsito. Confira!
Um reagente químico fabricado para reduzir a emissão de poluentes no ar tem aparecido cada vez mais no noticiário policial. Trata-se do Agente Redutor Líquido Automotivo (Arla 32), usado em veículos movidos a diesel, fabricados no Brasil desde 2012, para reduzir em quase 100% as emissões de óxidos de nitrogênio na atmosfera.
O uso do Arla 32 é obrigatório para atender à legislação vigente, entretanto, ainda é comum que a fiscalização nas estradas encontre usuários dos chamados “chips paraguaios”, instalados nos caminhões para, justamente, trapacear as ações fiscalizatórias
, bem como uma quantidade gigantesca de fraudes no produto (ausência, mistura com outros agentes químicos, entre outras).
Chuva ácida e danos para os veículos: os riscos da adulteração
O Arla 32 leva esse nome por ser uma solução composta por 32,5% de ureia de alta pureza, em água desmineralizada, utilizada para garantir maior eficiência e, ao mesmo tempo, menor poluição ambiental nos motores a diesel. Esse aditivo é injetado no sistema de escapamento dos veículos que possuem tecnologia SCR (Selective Catalytic Reduction / Catalisador de Redução Seletiva) para a redução da emissão de óxidos de nitrogênio (NOx). A reação do Arla 32 com o NOx gera vapor de água e gás nitrogênio, que não fazem mal ao meio ambiente.
Marcos Maeda, diretor de Engenharia da Unidade de Negócios de Motores da Cummins, afirma que a chuva ácida é uma das consequências do não uso da substância. “É um problema muito sério, porque não tem cheiro, não tem cor, e depois temos no ambiente todo esse acúmulo de NO2 e NOx [óxidos de nitrogênio], que vai para a atmosfera, condensa nas nuvens e temos uma chuva extremamente tóxica”, descreve o diretor.
Para os caminhões, o uso de água no lugar do aditivo e de outras alternativas clandestinas podem gerar prejuízos em torno de R$ 20 mil para compensar os danos a diferentes peças do veículo
. Maeda explica que o sistema inteligente dos veículos monitora o consumo do Arla 32. Nas situações em que uma substância de menor qualidade é colocada no lugar do aditivo, ou quando ele não é usado, o sistema entra em um modo de proteção, que diminui a performance dos caminhões.
Dessa forma, na hora de ultrapassagens, ou quando há transporte de grandes carregamentos, quando o veículo precisa de 100% da potência, ou maior torque, acaba não operando dentro do previsto pela falta do Arla 32. “A operação se torna muito complicada, e é possível até acontecer um acidente”, alerta o engenheiro.
É um problema muito sério, porque não tem cheiro, não tem cor, e depois temos no ambiente todo esse acúmulo de NO2 e NOx [óxidos de nitrogênio], que vai para a atmosfera, condensa nas nuvens e temos uma chuva extremamente tóxica
Fraudes podem afetar mais de 30% da demanda, aponta consultoria
Em 2020, a Argus Media, consultoria especializada na produção de indicadores de preços e análises de mercados internacionais de energia e de commodities, estimou que o consumo de Arla 32 no Brasil giraria em torno de 564 milhões de litros. Mas cerca de 30% dos caminhões ainda podem estar utilizando emuladores que inibem o uso do produto, ou utilizando os aditivos sem especificação.
Assim, a demanda potencial de Arla 32 poderia ser 30% maior que o valor sugerido, alerta Fabricio Cardoso, consultor da Argus Media, e Alexsandre Saraiva, coordenador de produto e responsável por lubrificantes e Arla 32 na Raízen.
De acordo com Saraiva, as operações clandestinas geram “sérios danos ao meio ambiente, evasão fiscal e perdas para o próprio consumidor que, ao abastecer com um produto adulterado, reduz drasticamente a vida útil do sistema catalisador” dos veículos. Junto com o Arla 32, o catalisador é responsável por tratar e reter o óxido de nitrogênio gerado pela combustão do diesel.
Os emuladores que provocam curto-circuito no sistema OBD (diagnóstico de emissões em tempo real) “levam os caminhões a poluírem até 30 vezes mais que o esperado”, completa Cardoso.
Confira: cartilha de conscientização pública do uso do Arla 32
Legislação: Arla 32 fora das especificações é infração grave
Quando a fiscalização identifica irregularidades, o responsável é autuado e o veículo pode ser apreendido com base nos artigos 68 e 71 do Decreto Federal nº 6.514/2008. A multa para cada um dos artigos chega a R$ 10 mil por automóvel e, em caso de apreensão, a liberação é condicionada à correção da irregularidade.
Pelo Código Brasileiro de Trânsito, o uso de Arla 32 fora das especificações é classificado como infração grave, autuada com cinco pontos na carteira de habilitação.
Há anos somando grandes prejuízos, o mercado nacional espera que o foco das punições migre cada vez mais dos motoristas para as grandes cadeias de adulteração. Contudo, desde setembro de 2019, o projeto de lei que aumenta as penas sobre adulteração relacionada ao produto aguarda tramitação no Congresso.
O texto aprovado prevê pena de detenção de dois a quatro anos e multa para quem fraudar a leitura dos índices de emissões durante os procedimentos de homologação, inspeção ou fiscalização e ainda suprimir qualquer componente do sistema de controle de emissão de poluentes de produtos como o Arla 32.
Operação Arinna desarticula quadrilha especializada em adulterar Arla 32
Em outubro de 2020, a operação Arinna, deflagrada em conjunto pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), Receita Federal e Polícia Rodoviária Federal (PRF), cumpriu 15 mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão em sete estados, para desarticular uma organização criminosa especializada na adulteração de combustíveis e do Arla 32.
A operação também identificou que a organização obtinha nafta sob a justificativa de que o produto seria destinado à fabricação de tintas e vernizes, mas os elementos colhidos indicavam que o insumo era desviado para ser misturado com gasolina. Com a utilização indevida da nafta, o grupo teria sonegado tributos federais que, somados a multas aduaneiras aplicáveis ao caso, podem chegar a R$ 270 milhões.
Assim como a gasolina e o etanol, o diesel também pode ser adulterado? Especialista responde!
Denuncie irregularidades
Presenciou alguma irregularidade nas estradas nos que diz respeito aos combustíveis? Utiliza a seção Denuncie, do Instituto Combustível Legal, uma ferramenta que ajuda a encontrar o órgão correto na sua região para que possa registrar a sua ocorrência e fazer valer os seus direitos. E não se esqueça: se for abastecer, procure postos de sua confiança!
O mercado irregular nas estradas
Nas próximas matérias da série, o Instituto Combustível Legal mostrará como o uso de biodiesel misturado ao diesel tem dado dor de cabeça ao mercado nacional; e como revendedores e sindicatos têm combatido as fraudes envolvendo bombas medidoras.